terça-feira, 11 de março de 2008





Domingo, 09 de Março de 2008. 15h. Sala Nietzsche

Um dos elementos da mais conhecida gataria nacional (Gato Fedorento) escreveu; Luís Fazenda ilustrou e a editora Tinta da China publicou Boca do Inferno – a compilação das crónicas de Ricardo Araújo Pereira, trazidas a lume entre 2004 e 2007, pela revista Visão. A Tertúlia às Voltas convidou o humorista para falar do seu livro, na Fábrica Braço de Prata. No final do debate, propusemos ao comediante feito cronista, ou vice versa, falar a sério do humor em Portugal. Estivemos quase a conseguir…


Fábrica Braço de Prata: Ricardo, é uma pressão para si ser engraçado o tempo todo?
Ricardo Araújo Pereira (RAP): Hum… quer dizer, isto não é um fardo especialmente pesado. A prova disso é que eu não sou engraçado o tempo todo. Aliás, é mesmo muito raro! Mas não posso dizer que sinta esse fardo do humorista que está obrigado a ser engraçado e tal… Isto é mais divertido do que penoso.

FBP: Veio à Fábrica apresentar o livro Boca do Inferno, ‘um livro essencialmente para compreender o nosso tempo, especialmente da parte da tarde’. O que é que lhe falta para compreender a parte da manhã?
RAP: Normalmente eu estou a dormir da parte da manhã e portanto não estou tão atento aos acontecimentos nessa altura do dia. Mas segundo dizem, não acontece nada de especial de manhã.

FBP: Desde os primórdios do teatro que o género trágico é considerado um género superior, subalternizando o género cómico. Na medida em que associamos sempre a tragédia à Catharsis; à purificação das almas por intermédio de grandes sentimentos, como o terror e a piedade. Mas o riso também pode ter uma função catártica, não pode? O riso também pode ser uma fonte de libertação…
RAP: Sim. Claro! Eu acho que de facto a comédia é considerada um género inferior. E acho que a maioria das vezes os próprios humoristas têm alguma culpa nisso. Mas penso que em termos absolutos, não há nada de inferior, por exemplo no Molière. Não há nada que torne aquilo que o Molière escreveu inferior à tragédia, por exemplo.

FBP: Talvez o público também tenha a sua culpa… Dizem que é mais fácil fazer chorar do que rir… Estamos presos ao quê?
RAP: Pois, dizem que é mais fácil fazer chorar que rir, exactamente. Eu quando comecei a escrever textos humorísticos foi porque me pagavam mais. Deve ser difícil e mais raro haver quem consiga fazê-los. E foi precisamente por isso que eu comecei a escreve-los. A grande razão foi mesmo essa.

FBP: Falar de coisas sérias a brincar é eficiente? Ou é, como nos diz o seu heterónimo Manuel Rosado Baptista, que, aliás, escreveu o posfácio do livro, uma ‘perda de tempo’?
RAP: Sabe… Há um ditado português que diz ‘não se brinca com coisas sérias’ e eu nunca compreendi essa frase. Para mim, só faz sentido brincar com coisas sérias. As que são a brincar já são a brincar, por isso não vale a pena brincar com elas. Só vale a pena ser tocado pelo olhar humorístico as coisas que são de facto sérias.

FBP: E é fácil escrever-se coisas sérias a brincar no nosso país?
RAP: Eu acho que é. A grande dificuldade é a escassez de coisas sérias que há no nosso país. Essa é a grande dificuldade: ter de andar à procura delas.

FBP: Quais são as coisas sérias, que segundo o Ricardo, faltam ao nosso país?
RAP: Era giro que houvesse um debate político ideológico mesmo a sério. Isso era uma coisa gira, por exemplo. Era giro que do ponto de vista ideológico houvessem coisas mais interessantes. Que não fosse só ‘ vocês estão a fazer mal, porque estão agora aí e eu não estou’. Quer dizer, era giro que as discordâncias não fossem só circunstanciais e que nós percebêssemos que alguém tinha uma perspectiva de rumo diferente.

FBP: Há Censura na escrita humorística?
RAP: Eu nunca senti…

FBP: E agora uma pergunta que com certeza toda a gente lhe faz, mas que não deixa de ser incontornável: quais são os limites do humor?
RAP: Eu acho que os limites do humor devem ser exactamente os mesmos que são os limites da liberdade de expressão. Não vejo razão para que seja de outra maneira. Acho que as coisas que se podem dizer num registo não humorístico devem poder ser ditas também num registo humorístico.

FBP: Voltando ao seu livro, Boca do Inferno, há algum fio condutor quando compilou e organizou as estas crónicas?
RAP: Nada. Eu atirei-as para cima da cama, as que caíram em cima foram para a primeira parte do livro, as que caíram no chão, foram para a segunda.

FBP: O título Boca do Inferno e até mesmo o próprio busto que ilustra a capa, tem qualquer coisa a fazer lembrar Gil Vicente que, entre outras coisas, foi um grande vanguardista e que revolucionou a maneira de fazer e pensar o humor e, ao mesmo tempo, de criticar os costumes nacionais. Sente-se um Gil Vicente do século XXI?
RAP: Não. Esta foi a minha única oportunidade de ter um busto. Parece-me óbvio que ninguém, no seu juízo perfeito, me vai fazer um busto. Vi aqui uma boa oportunidade para ter um. Mas realmente não me sinto nenhum Gil Vicente dos tempos modernos. No máximo eu sou um Joanne dos tempos modernos, que é o tolo, o parvo, o maluco do Auto da Barca do Inferno.

FBP: Tal como o Gil Vicente, trabalha ao serviço de algumas rainhas… Qual é a sua preferida?
RAP: Mas de que rainha é que estamos a falar?

FBP: A RTP, a SIC, a Visão, por exemplo…
RAP: Pois! Isso é verdade. Mas eu prefiro sempre a escrita ao resto.

FBP: Não se considera o Gil Vicente dos tempos modernos… Considera-se um bocadinho o Seinfeld português?
RAP: Não…não… (risos) Isto gostava eu!

FBP: É unânime: o Ricardo é um bom intérprete dos textos que escreve. Via-se a representar outros papéis?
RAP: Não. Não consigo representar Shakespeare, por exemplo. Não sou um actor. Interpreto os meus próprios textos e já é bom!

FBP: O que é que o põe de bom humor?
RAP: Eu não sou difícil de agradar. Não é difícil me porem de bom humor.

FBP: O que é que o faz rir?
RAP: Perguntam aos humoristas o que é que os faz rir, como se fossem diferentes das outras pessoas. Basicamente faz-me rir as mesmas coisas que às outras pessoas faz rir. A minha resposta não é particularmente interessante neste ponto.

FBP: O mesmo para o que faz chorar?
RAP: Ui! Muitas vezes, quando eu preciso de ir à casa de banho à noite e é escuro, piso um brinquedo de plástico das minhas filhas. Eh pá… Isso é uma das coisas principais!

FBP: De todas as qualidades que as pessoas lhe reconhecem, qual é a qualidade mais verdadeira? RAP: Talvez o facto de eu ser uma pessoa espectacular e também a humildade! Acho que são essas duas associadas.

FBP: E a sinceridade?
RAP: E a sinceridade também!

FBP: Acha que o país precisa que o Gato Fedorento tenha mais concorrência?
RAP: Ah, mais concorrência?! Não sei… Acho que no dia em que o país precise de alguma coisa relacionada connosco, o país está mesmo muito mal!

FBP: O seu primeiro capricho de estrela já teve lugar?
RAP: Não… Eu não sou dado a esse tipo de caprichos. Desde que me faça sempre transportar num helicóptero, não tenho nenhum luxo em especial…

FBP: Qual é que foi o mais bonito elogio profissional que lhe fizeram?
RAP: Sinceramente não me ocorre nenhum…

FBP: E a pior critica?
RAP: Também não estou a ver… Eu tenho uma grande capacidade de ignorar as críticas.

FBP: Qual é que é a distinção que ficaria orgulhoso de receber sem que a tivesse de reclamar?
RAP: A Águia de Ouro! É essa que eu ambiciono.

FBP: Há alguma coisa que aprecie mais nos outros do que eu si?
RAP: Sim. A capacidade de dar… Isto gosto mais nos outros do que eu mim!

FBP: Ontem comemorou-se o Dia Internacional da Mulher. Na pele de que mulher é que gostava de passar 24h?
RAP: Por dentro não tenho interesse…Sobre tenho uma lista, mas não sei se temos duas horas para eu a citar. Enfim…

FBP: Que pergunta é que gostava que eu lhe tivesse feito e não fiz?
RAP: Hum… Não sei mesmo...


Perguntas rápidas/Respostas curtas:


Melhor cronista português: Miguel Esteves Cardoso.

Melhor humorista estrangeiro: Woody Allen.

Uma cassete vídeo gasta à força de a ver? A Matulona das Meias Pretas.

Uma crónica que se tenha arrependido de escrever? Acho que não há, tenho impressão

O melhor perfume para os Gatos Fedorentos? Acho que os gatos não podem ter perfume, têm aquele odor selvagem…

O melhor perfume para o país? Eu sempre que passo na zona de Estarreja lembro-me sempre de dois ou três bons perfumes, que podiam ser vazados ali. Qualquer coisa que não cheire aquilo serve para mim.

Uma palavra aos professores? Força nisso!

Uma palavra aos benfiquistas? Eh pá… Estamos em grande, não se preocupem! (pode ser que eles acreditem…)

A melhor música para acompanhar a escrita do Ricardo? Qualquer pimbalhada!

Um quadro que levava para casa? O Menino da Lágrima, porque em principio não me prendem por roubar esse.

A melhor visão do mundo é… o Nuno Gomes com a taça dos Campeões na mão.

Televisão rima com… colchão… não sei…

O país mais fedorento da União Europeia? Estou convencido que somos nós.

O país mais engraçado da União Europeia? Também!

O Inferno na terra fica em…Vou escolher Figueiró dos Vinhos (mas sem nenhuma ofensa).

A boca do paraíso fica em… Não sei se há cá. E ainda bem…e ainda bem!

Três palavras para descrever a FBP? Ampla, espaçosa e propriedade de Luís Filipe Vieira.

O último livro que leu? The Educated Imagination do Northrop Frye. É um livro sobre… (lá está as vantagens da leitura!)

..... pela operária Tânia Ribeiro

3 comentários:

A indecisa disse...

Parabéns Tânia... deveria ser feita em todas as tertúlias, embora ache que em algumas era difícil arranjar perguntas.

Cati disse...

Excelente entrevista! Diverti-me imenso a lê-la. Parabéns!

Anónimo disse...

"Era giro que do ponto de vista ideológico houvessem coisas mais interessantes". A língua portuguesa anda mesmo maltratada...até em certos meios onde é suposto ter-se alguns cuidados. O Ricardo Araújo Pereira disse mesmo "houvessem"?